(Leia ao som de Triste, Louca ou Má)
Quando entrei na sala, reconheci o sotaque logo de cara. A sílaba tônica não era ê. Foi é. É até hoje. Voltei pra casa com duas certezas, talvez eu devesse mesmo virar planejamento e aquela tinha sido a entrevista mais legal que eu tinha feito na vida.
Consegui. De algum jeito eu tinha conseguido. Demorou mais do que eu gostaria, mas o tempo certo. Pra eu deixar a vontade de mudar de área, para eu me despedir de quem eu vinha sendo e pra aprender que a minha zona de conforto ia ser bagunçada.
Nos primeiros meses, a preocupação era mostrar que eu não queria ser um redator. Eu queria mais. Cada vírgula errada apontada era uma certeza de que o RH iria entrar em contato na terça de manhã. Depois que o medo passou, veio o nervosismo. Para participar, para entender as piadas. Só que era muito complicado, eu tenho dislexia e ele falava rápido demais. A receita para o nascimento de uma camaradagem improvável. Mas eu buscava amizade.
Pra mim, ela ia custar 43,58. O preço de Cem Anos de Solidão do Gabriel García. Não tem melhor jeito de puxar assunto com um escritor do que um dos seus livros favoritos. Errei. A amizade custou uma cerveja no Pedrosa. Em um papo surpreendente, olha só, sobre solidão. Em um dos melhores dias que trabalhei. Nem notei que era sábado.
Depois virou uma sucessão de segundas mais animadas, com menos vírgulas e muito mais dois pontos. Troquei as aulas de estatuetas douradas, por aulas de palavras. E deixei no caminho, o plano que me fez sair de Aracaju, de Miami, da África. O plano era escrever um novo plano.
Um plano sem certezas. Um plano que provavelmente, ele devolveria cheio de rabiscos em vermelho, dizendo junto com meu nome em uma só sílaba: "Tá meio rádio, refaz e me mostra". Agradeceria e depois responderia com uma frase do Cem Anos: “Os filhos herdam as loucuras dos pais.”
Eu não herdei as embaixadinhas, desculpa. Mas se você não se importar, gostaria de ficar com o amor pelas palavras. E pelas vírgulas de respiração.
Ayslan M.